
Pressionado pelo bolsonarismo a pautar um projeto de anistia, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), vem conversando com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e com ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) em busca de uma solução que atenue as penas dos envolvidos nos atos golpistas do 8 de Janeiro. O governo já deu sinais de que aceita debater uma alternativa, mas a admissão pública pela ministra Gleisi Hoffmann (Relações Institucionais) gerou ruídos entre atores políticos e magistrados.
A ideia é encontrar um meio-termo que beneficie os presos considerados “peixes pequenos” e, assim, desobstruir a pauta da Câmara. Não há, no entanto, um formato negociado e tampouco um aval claro do Supremo, que não abre mão de ser o responsável pela fixação de penas. Reservadamente, porém, magistrados admitem debater penas menores.
Depois de sinalizar que não cederia à pressão para pautar a anistia, Motta passou a dizer a pessoas próximas que seria difícil segurar uma iniciativa que tenha adesão da maioria da Casa. Por isso, o deputado tenta dividir a responsabilidade com os demais Poderes. Também tenta se proteger de ataques de aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro, como o pastor Silas Malafaia, que desencadeou uma campanha virtual contra ele.
Ontem, a oposição anunciou que já coletou 264 assinaturas para apresentar um requerimento de urgência a Motta, sete a mais do que o necessário. O instrumento, caso aprovado, libera a anistia para ser votada sem discussão mais aprofundada.
Anteontem, Gleisi afirmou que o Executivo trabalha com a hipótese de revisão de penas pelo Congresso Nacional para os condenados , desde que não envolva os acusados de liderar a tentativa de golpe de Estado, como Bolsonaro e generais.
— Falar sobre anistia ou mediação de pena, acho que é defensável do ponto de vista de alguns parlamentares que estão ali e eu acho que a gente tem que fazer essa discussão no Congresso. Agora, o que não pode acontecer é uma anistia dos que conduziram um golpe no país — disse a ministra.
A revelação da negociação gerou mal-estar entre os envolvidos. No dia seguinte, a ministra modulou o discurso e afirmou que qualquer iniciativa neste sentido cabe ao Supremo. “Quero deixar claro que eventuais revisões de pena aos réus do 8 de Janeiro cabem única e exclusivamente ao Supremo Tribunal Federal, que conduz os processos. Entendo sim que esse debate pode e deve ser feito na sociedade, inclusive no Congresso, como já vem acontecendo de fato, mas sem interferir na autonomia do Poder Judiciário”, escreveu ela nas redes sociais.
Entre integrantes de esquerda da base governista, que adotaram o grito de guerra “sem anistia”, é importante manter posição para se contrapor ao bolsonarismo em 2026. Já parte dos ministros da Corte demonstra desconforto com uma solução via Congresso. O STF já vem alterando o curso de alguns processos para tentar frear a ação do Legislativo. O exemplo simbólico foi a ordem para que Débora Rodrigues, que pichou a escultura “A Justiça”, fosse transferida para prisão domiciliar.
Para aliados da ministra, a segunda fala de Gleisi foi uma tentativa de empurrar a solução para o STF. O Palácio do Planalto tem interesse em tirar o projeto da anistia do foco para tocar a pauta do governo, como a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil.
Para o ministro da Advocacia-Geral da União (AGU), Jorge Messias, não cabe ao Congresso discutir anistia ou revisão de penas enquanto o STF tem os processos judiciais sobre o tema em curso.
— É juridicamente inadequada a discussão de anistia ou revisão de penas pelo Poder Legislativo, estando os processos judiciais, inclusive, ainda em curso. De acordo com o princípio da separação de Poderes, compete ao Judiciário processar, julgar, dimensionar e individualizar as penas dos casos criminais denunciados pelo Ministério Público — afirma o ministro.
Segundo integrantes do STF, o raciocínio é o mesmo. A análise, a partir de agora, abordaria os direitos que os réus ou condenados já tenham, como a progressão de regime, prisões domiciliares, medidas alternativas à prisão, como tornozeleira eletrônica ou multas.
Entre integrantes do tribunal, a avaliação é que uma eventual “solução pacífica” não pode abrir margem para que a gravidade do que ocorreu no 8 de Janeiro seja esquecida.
Após encontro com Motta, Bolsonaro garantiu que o chefe da Casa pautaria a urgência. É prerrogativa do presidente da Casa a decisão de colocar ou não em votação o pedido.
— Se a gente conseguir as assinaturas, ele vai colocar em votação, tenho certeza disso — disse Bolsonaro em entrevista a um podcast anteontem.
O ex-presidente também afirmou em um almoço com advogados de direita, segundo o jornal “O Estado de S. Paulo”, que não está interessado na redução de penas para os presos do 8 de Janeiro, mas sim em uma anistia “ampla, geral e irrestrita”.
Na Câmara, o líder do PT, Lindbergh Farias (RJ), afirmou que deputados governistas, com cargos importantes no Executivo, assinaram o requerimento de urgência da anistia. O petista e o líder do MDB, Isnaldo Bulhões (AL), tentam convencer os parlamentares da base a retirarem as assinaturas.
— Se a pessoa assina um projeto desse, não quer ficar deste lado (do governo). Eu tenho a lista de assinaturas. Tem gente na lista que tem espaço importante no governo. Cada partido tem que ser chamado à responsabilidade. Estamos ligando para alguns deputados, eu e o líder Isnaldo — afirmou Lindbergh.
Ontem, o líder do PL na Câmara, Sóstenes Cavalcante (RJ), agradeceu aos dirigentes de partidos da base por assinaturas de apoio ao requerimento de urgência para a anistia. O deputado ressaltou o papel do líder do União Brasil na Casa, Pedro Lucas Fernandes (MA), que foi anunciado como novo ministro das Comunicações anteontem.
— Temos como aliados o presidente (Antônio) Rueda, do União Brasil, bem como seu líder na Câmara dos Deputados, que foi o segundo que deu mais assinaturas — disse o líder do PL.
Outros caciques foram citados, como Marcos Pereira, do Republicanos, e Gilberto Kassab, do PSD. Sóstenes afirmou que Kassab telefonou para parabenizá-lo:
— Gilberto Kassab me ligou para festejar que nós pudéssemos ter alcançado essa grande marca.