
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva aproveitou na quarta-feira o evento que marcou os dois anos dos ataques do 8 de Janeiro para fazer um aceno aos militares e ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, relator do inquérito da trama golpista. No Palácio do Planalto, Lula reafirmou a importância da democracia e ressaltou a necessidade de punição aos envolvidos na tentativa de ruptura da ordem democrática.
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Os demais chefes de Poderes não estiveram presentes à solenidade. Os presidentes do STF, Luís Roberto Barroso; do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), também chefe do Congresso; e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), no entanto, mandaram representantes.
Pela manhã, Lula recebeu 21 obras de arte destruídas há dois anos e recuperadas. Entre elas, estavam o relógio de Balthazar Baltimore, restaurado na Suíça ao longo de 2023 e 2024, e o painel “As Mulatas”, de Di Cavalcanti.
Mais tarde, do outro lado da Praça dos Três Poderes, Moraes fez um discurso contundente contra o extremismo e a propagação de discursos de ódio nas redes sociais. Outros ministros da Corte também repudiaram os acontecimentos de dois anos atrás.
Ao longo do evento no Planalto, o presidente da República citou o plano que tinha o objetivo de assassiná-lo junto com o vice-presidente, Geraldo Alckmin, e Moraes.
— Sempre seremos implacáveis contra qualquer tentativa de golpe. Todos pagarão pelos crimes que cometeram, ninguém está preso injustamente. Inclusive quem planejou nosso assassinato. Mas terão amplo direito de defesa, é claro. Ainda estamos aqui. Estamos aqui para dizer que a democracia está viva, ao contrário do que planejavam os golpistas — disse Lula, fazendo referência ao filme que deu a Fernanda Torres o Globo de Ouro de melhor atriz em filme de drama.
O presidente assinou ainda a criação do Prêmio Eunice Paiva de Defesa da Democracia. A advogada, interpretada por Fernanda Torres, dedicou a vida à memória do marido, o ex-deputado Rubens Paiva, morto sob tortura durante a ditadura. A premiação visa homenagear pessoas que contribuíram pela preservação da democracia.
Lula brincou ainda com Moraes sobre o apelido “Xandão”. Segundo o presidente, a referência é um sinal de popularidade do ministro por suas ações.
— Tenho 79 anos, já vivi muito vendo a vida da Suprema Corte e nunca conheci um ministro da Suprema Corte que tivesse um apelido dado pelo povo, chamado Xandão. É um apelido que já pegou. E não adianta ficar nervoso, porque ninguém vai parar de te chamar de Xandão.
Em seguida, o presidente agradeceu a presença dos comandantes do Exército, Tomás Paiva; da Marinha, Marcos Olsen; e da Aeronáutica, Marcelo Damasceno. A fala ocorreu em meio à possibilidade de militares serem denunciados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) na trama golpista e à tensão causada pela possibilidade de saída do ministro da Defesa, José Múcio.
Integrantes do governo e ex-ministros da Defesa avaliam que, embora Múcio tenha apaziguado a relação das Forças Armadas com Lula, qualquer novo episódio mal conduzido pode gerar um novo tensionamento.
Lula chamou ainda os participantes do plano para assassiná-lo de “aloprados” e “irresponsáveis”.
O vice-presidente do STF, Edson Fachin, levou à cerimônia uma mensagem de Barroso, que descreve o 8 de Janeiro como “uma trama que visava ao golpe de Estado”.
— Não devemos ter ilusões da narrativa falsa de que enfrentar o golpismo constituiria autoritarismo. É o disfarce dos que não desistiram das aventuras antidemocráticas com a supressão dos direitos humanos. Não virão tempos fáceis, mas precisamos continuar a resistir — leu Fachin.
Em seu discurso, o ministro acrescentou que a Constituição “estabeleceu o modo pelo que se dá a alternância do poder, pelo voto popular, secreto e direto” e que “os resultados (das eleições) devem ser respeitados dentro da legalidade”.
— O STF teve e tem papel decisivo na defesa da lei e da ordem democrática, junto aos demais Poderes aqui representados. — disse Fachin.
Enviado por Pacheco, o senador Veneziano Vital do Rêgo, primeiro-vice-presidente da Casa, pediu punição aos que tramaram o plano para assassinar autoridades.
— Entre membros das Forças houve aqueles que não se predispuseram a subjugar-se à infâmia dos que tentavam e tramavam contra as vidas — disse o parlamentar.
Em nota, Pacheco afirmou que não há “liberdade fora da democracia”. O senador está fora do país e, por isso, não participou do evento. “O país reafirma, neste 8 de janeiro, preceitos fundamentais que forjaram a nossa sociedade. E o principal deles diz respeito às liberdades. E não há liberdade verdadeira, responsável e plena fora do regime democrático”, disse Pacheco.
Representando Lira, que está em Alagoas, a deputada Maria do Rosário (PT-RS) declarou que “quem tentar romper a democracia não terá leniência”. Já a primeira-dama Janja afirmou em discurso que o país “não aceita mais o autoritarismo” e citou a restauração das obras destruídas durante as invasões como um “antídoto contra as tentações autoritárias”.
Em solenidade no STF, Moraes disse que atuará para que as redes sociais não sejam “instrumentalizadas” para propagar discursos extremistas. No mesmo evento, o decano da Corte, Gilmar Mendes, afirmou que o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro disseminou “discurso de ódio, o fanatismo político e a indústria de desinformação”.